Pensei que ia morrer.
Exame caríssimo para ver a extensão do câncer de próstata.
De repente vejo no laudo a existência de um granuloma, ou coisa parecida, não sei direito, no pulmão.
Eles, os médicos, quando querem nos assustar usam uma linguagem codificada que só eles entendem.
Meu Deus, já alcançou o pulmão?!!!
Passo o laudo para meu irmão. Apesar de haver recebido, não se manifesta.
Insisto, pergunto, nada.
Médico de imagem, não quer me matar de medo, eu pensei.
Estou liquidado!
Perdido!
Começo a pensar em agir como se fosse morrer. E fazer as coisas que eu gostaria de fazer.
Um cidadão de meia idade se encolhendo sob um portão em frente ao escritório. Fugindo da chuva. Negro, barba branca por fazer.
- Vai pra onde?
- Não, vou pra qui mesmo. Estou esperando Roberto.
- Tá bom. Ia lhe dar uma carona...
Mil coisas não resolvidas.
Testamento.
Desculpas a pedir.
Agradecimentos a fazer.
Vai dar tempo?
Nunca dá tempo quando o tempo é curto.
Quando o fantasma da morte nos ameaça.
Chego em casa e vejo tudo com olhar de saudade.
Este quintal tão bonito.
Esta varanda.
Lembro do meu Rio de Contas em frente.
Tudo isto vai ser passado. Em breve.
Vejo as minhas flores, os passarinhos.
E passa um tremor de angústia.
Na verdade não tenho medo de morrer.
Encaro com naturalidade.
Todos vamos morrer.
Só que não agora!!!
Só que não com data marcada.
Tenho medo da metástase.
Do sofrimento.
Quero ouvir por muito tempo ainda o trinar dos passarinhos.
Se puder apreciar o seu canto. A beleza de suas cores.
Vou levar saudades das gurinhatãs. Dos sangues-de-boi.
Dos cardeais e dos canários da terra.
Da vida. Apesar de mal vivida às vezes.
Mas de noite o irmão me liga. E me diz que o tal granuloma é uma seqüela da Covid.
Que ainda tenho tratamento.
Que não vai ser desta vez.
Não sei. Tomara que ele tenha razão.
Mas quero viver de agora em diante com o sentimento de que tenho que ser melhor.
De fazer, sem ter vergonha disto, as coisas boas que eu quero fazer. De dar carona a um desconhecido.
Viver como se fosse morrer.
Quero pedir as minhas desculpas.
Quero fazer meus agradecimentos.
Quero viver os meus sobreviventes sonhos. Ainda.
Como se fosse morrer.
Paulo Cabral Tavares
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